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Alimento orgânico ganha, cada vez mais, espaço no mercado

Rejeição de consumidores aos produtos transgênicos impulsiona vendas.

Da Redação 29/09/2003 – 04h43 – A liberação da safra de soja transgênica na semana passada por medida provisória dividiu os produtores orgânicos. Contrários por princípio aos grãos geneticamente modificados, os agricultores orgânicos temem que a certificação de suas culturas pelos órgãos que estabelecem o padrão de qualidade orgânica seja dificultada diante da possibilidade de contaminação de suas lavouras por sementes transgênicas.

Por outro lado, a rejeição a alimentos transgênicos por consumidores mais exigentes e preocupados com responsabilidade sócio-ambiental poderá levar, assim como ocorreu na Europa, a um aumento da procura por orgânicos – produtos de maior valor agregado que costumam dar mais lucros para quem os produz e, sobretudo, os comercializa.

Um dos poucos segmentos a registrar crescimento de vendas nos supermercados no último ano, o orgânico movimenta hoje R$ 300 milhões. É ainda muito pouco diante do tamanho do mercado global, de US$ 25 bilhões, e do fato de que a maior parte da produção nacional (área estimada em 500 mil hectares) é voltada para o exterior. No caso dos 3.800 agricultores certificados pelo Instituto Biodinâmico (IBD), uma dos mais importantes certificadoras de orgânicos do País, 80% da produção é exportada.

Na Europa, sucessivas crises alimentares resultantes de processos massificados de produção – como “vaca louca”, salmonela e contaminação de Coca-Cola, na Bélgica -, além da briga dos ambientalistas contra os transgênicos, levaram ao boom do mercado de orgânicos. Na década de 90, as taxas de crescimento eram de 40% a 50% ao ano. Agora, a taxa está estabilizada em 15%. Diante da alta margem paga inicialmente pelos orgânicos, produtores saíram correndo atrás de conversão e hoje já há superoferta de itens como açúcar, soja e café.

Ainda que as taxas de crescimento do mercado doméstico sejam baixas, o orgânico está passando por uma fase de transição importante. “O conceito está sendo submetido à profissionalização: saiu das feirinhas e foi para o supermercado”, avalia o diretor comercial da Native, marca de açúcar e alimentos orgânicos industrializados do grupo Balbo, Leontino Balbo Junior.

“Estamos entrando na fase de embalagens, industrialização, grandes empresas.

O mercado de hotéis, restaurantes e hospitais está virando um sério consumidor.”

O grupo Balbo, dono da Usina São Francisco, começou exportando açúcar orgânico há seis anos e hoje detém a maior produção mundial do produto, fornecendo o ingrediente para mais de cem grandes clientes nos Estados Unidos, Europa e Ásia. A participação dos orgânicos no faturamento do grupo tem crescido 20% ao ano e este ano deve chegar a R$ 36 milhões de uma receita total de R$ 225 milhões do grupo. Agora, a empresa está investindo na ampliação da linha da Native, que já oferece açúcar, café e suco de laranja, e também na sua internacionalização.

No grupo de supermercados Pão de Açúcar, a venda de orgânicos cresce 15% ao ano e hoje representa 3,7% das vendas de frutas, legumes e verduras (FLV).

“Até o fim de 2004, nossa expectativa é chegar a 5%”, diz o diretor comercial de FLV do Pão de Açúcar, Leonardo Myiao. O grande entrave para esse crescimento, segundo Myiao, é a oferta de produtos que obedeçam aos padrões de qualidade do supermercado.

“Falta produto em quantidade e qualidade. Eu tenho consumo para uma base de oferta pelo menos o do que tenho hoje.”

Para aumentar a oferta de produtos, o Pão de Açúcar tem estimulado a conversão de seus fornecedores tradicionais para orgânicos. Prática similar tem sido adotada pela GaMa, produtora de soja orgânica do Paraná que é uma das maiores exportadoras do produto no País. A empresa investe, por ano, US$ 30 mil na conversão de lavouras em seu entorno, processo que costuma levar de dois a quatro anos, dependendo da cultura, e já conta com 350 produtores associados. Com 80% da produção própria e dos associados destinada ao mercado externo, a GaMa quer aumentar a presença no mercado doméstico com outros produtos, chegando diretamente ao consumidor com a marca própria Brasil Organics.

“Temos arroz, feijão e milho para pipoca e estamos lançando salgadinho de soja, doces de banana e caju”, conta o diretor de marketing da GaMa, Leonardo Gardemann.

Dificuldades

A busca pela ampliação do mercado doméstico reflete a saturação do mercado internacional. Com 4,3 mil hectares, o agricultor Clodoveu Franciosi, da Fazenda Céu Azul, em Mato Grosso, o maior produtor de soja orgânica do mundo, está com dificuldades para vender sua produção deste ano lá fora. “Espero que o fato de agora termos transgênicos no Brasil acabe ajudando a aumentar a procura por orgânicos”, espera Franciosi.

Apesar do interesse despertado pelos produtos cultivados sem agrotóxicos, defensivos ou hormônios e do potencial de consumo, o preço alto é um dos principais inibidores do crescimento desse mercado. “Os varejistas exageram nos preços, com margens de lucro exorbitantes”, reclama o vice-presidente do IBD, Alexandre Harkaly.

“Não há justificativa técnica para cobrar 300% a mais.” Pelas contas do IBD, os custos de produção orgânica variam entre 30% a 50% a mais, dependendo da cultura.

Além do fator preço, o mercado de orgânicos enfrenta a falta de política pública. A produção e o processo de certificação de lavouras não são regulamentados por lei – há apenas duas instruções normativas no Ministério da Agricultura. O resultado é que existem mais de 20 certificadoras no País – enquanto nos países desenvolvidos não passa de uma ou duas.

“Falta estrutura, por parte do governo, para monitorar as certificadoras e o mercado. Há muita fraude e faltam instrumentos para dar segurança ao crescimento do mercado”, diz Harkaly. Na sua avaliação, o tema está pulverizado em diferentes órgãos da administração federal, e sob a responsabilidade de alguns poucos técnicos dos ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente.