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Entrevista

Em defesa dos produtos processados e ultraprocessados

Correlacionar de forma direta o consumo destes tipos de produtos com a maior incidência de doenças como obesidade e diabetes não é cientificamente adequado, explicam professores da Unicamp, que também falam sobre a profissão de engenheiro de alimentos, criação de um centro de inovação no país e tendências do mercado de carnes

Em defesa dos produtos processados e ultraprocessados

Por Humberto Luis Marques, de Campinas (SP)

Os produtos processados vêm enfrentando duras críticas nos últimos tempos. As principais correlacionam o consumo destes alimentos a maior incidência de doenças, como diabetes e obesidade. Para o professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antonio José de Almeida Meirelles, ex-diretor da Faculdade de Engenharia de Alimentos, a discussão que estabelece um vínculo entre problemas de saúde e alimentos processados é equivocada. “O processamento de alimentos pode tanto auxiliar a saúde humana, como, em casos particulares, reduzir o seu benefício. Não se pode ter uma posição genérica em relação a isso”, afirma.

Essas doenças, segundo Meirelles, são resultado de hábitos alimentares inadequados, falta de atividade física e maior acesso das pessoas aos alimentos processados, o que se deu pelo barateamento de custo desses produtos, devido exatamente à incorporação de tecnologias em seus processos fabris. O professor também critica o uso do termo ultraprocessados, que passou a classificar os produtos de acordo com o grau de industrialização adotado na sua fabricação. Para ele, a classificação deveria se dar pelos compostos nutricionais e pelo nível de biodisponibilidade dos nutrientes no organismo humano. “Se um alimento faz bem ou mal à saúde, isso está associado a sua composição nutricional e aos hábitos alimentares do consumidor, não ao seu nível de processamento”, ressalta Meirelles.

A entrevista contou ainda com a participação do professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Unicamp, Sergio Bertelli Pflanger Junior, especialista no setor cárneo, e passou por vários assuntos. Na conversa, os desafios e a formação do engenheiro de alimentos, tendências para embalagens e de mercado, além da necessidade de o país dispor de um centro de inovação em alimentos, como já existente em outros países. Confira.

Avicultura Industrial – O engenheiro de alimentos é uma profissão relativamente nova, com 50 anos de criação completados no final de 2016. Nesse período, ganhou importância e passou por várias transformações. Hoje, quais seriam os grandes desafios enfrentados por esse profissional no mercado?

Antônio José de Almeida Meirelles – É importante salientar que a engenharia de alimentos nasce como profissão no Brasil e na América Latina aqui na Unicamp, exatamente no período de fundação da universidade. O curso foi criado pelo Conselho Estadual de Educação no final de 1966, com as aulas sendo ministradas a partir do ano seguinte. Hoje, são cerca de 120 cursos espalhados pelo país, com presença de Norte a Sul. O engenheiro de alimentos teve uma importância grande para a evolução da agroindústria e da indústria de alimentos em geral ao longo de todos esses anos. Especificamente em relação aos desafios atuais da profissão, eu apontaria dois tópicos. O primeiro, e mais proeminente, é a relação entre alimentos e saúde. O consumidor adquiriu uma consciência muito grande nessa correlação entre boa alimentação e saúde. E essa questão está diretamente ligada a nossa profissão. Ela não se refere apenas aos cuidados necessários para que um alimento seja bem processado, conservado e que tenha inocuidade, mas também que possua mecanismos de estímulo ao sistema imunológico da pessoa e promova o seu bem-estar. Outro desafio importante está na sustentabilidade, na relação da indústria de alimentos com o meio ambiente. Nós já temos exemplos de produções com praticamente resíduo zero. São exemplos isolados, mas é uma tendência importante.

Sergio Bertelli Pflanzer Junior – Um desafio que também será colocado aos engenheiros de alimentos é o de desmistificar junto à população vários dos processos envolvidos na fabricação dos alimentos e do próprio alimento em si. Com essa enxurrada de informações difundidas pelas mídias sociais, em grande parte falsa ou incompleta, o engenheiro de alimentos passa a ter um importante papel em desmentir esses fatos. O profissional precisa estar apto a demonstrar a essas pessoas a Ciência existente por trás dos alimentos. No caso das carnes, os embutidos têm sido muito atacados, mas eles agregam uma série de benefícios alimentares.

AI – O atual perfil do engenheiro de alimentos é muito diferente do que era no final dos anos 1960?

Meirelles – A concepção da profissão pouco mudou. É um profissional que reúne conhecimentos oriundos de várias áreas científicas, como física, química, microbiologia, bioquímica e de engenharia, que se relaciona às grandes plantas de processamento. Ele tem de conhecer as características dos mais diferentes tipos de alimentos, como carnes, cereais, laticínios e outros, orientando como a indústria pode e deve processar adequadamente aquele alimento. O que ocorreu foi que ao longo desses anos, movido pela própria evolução da indústria, esse profissional se sofisticou cada vez mais. Hoje, a indústria de alimentos tem uma oferta enorme de produtos e variedades. Inclusive, para mercados específicos, como produtos diets ou para outros nichos. Essas demandas específicas estão se aprofundando cada vez mais, passando a ser exigidas pelo consumidor; e isso se reflete diretamente sobre o engenheiro de alimentos, cujo conhecimento tem de ser capaz de antecipar tendências e resolver questões produtivas e de mercado da melhor forma possível.

AI – O mundo tem um grande desafio que é a segurança alimentar. Nesse contexto, o Brasil é tido como um dos principais celeiros do mundo e de onde sairá grandes volumes de alimentos para a crescente população mundial. Qual o papel do engenheiro de alimentos e do agronegócio brasileiro nesse objetivo?

Meirelles – O Brasil já é um destaque na produção de alimentos, com um agronegócio muito forte. A tendência futura é ampliar essa vantagem que o país já tem. Primeiro, porque temos uma agroindústria bem estabelecida, acompanhada de capacidade empresarial, técnica e produtiva, com força para competir no mercado internacional. Segundo, o Brasil possui uma área de pesquisa, com centros de Ciência e tecnologia atuantes e espalhados pelo país. Além disso, há disponibilidade de recursos naturais para crescimento da produção. Ser um fornecedor mundial de alimentos é um papel natural do Brasil. O grande salto que precisamos dar é o de agregarmos maior valor as nossas matérias-primas. Seria importante avançarmos com produtos alimentícios de alto valor agregado, que estejam mais processados e possam ampliar as margens de lucro da nossa indústria. Ao mesmo tempo, isso valoriza o nosso profissional de engenharia de alimentos, que possui conhecimento científico e técnico para contribuir com essa demanda específica da indústria e do agronegócio.

AI – O engenheiro de alimentos passaria a trabalhar visando processos mais eficazes dentro da indústria de alimentos, assim como produtos de maior valor agregado?

Meirelles – Sim, vou te dar um exemplo prático. A Cutrale é uma empresa do ramo de suco de laranja. Muitos dos engenheiros que trabalham lá foram formados aqui na Unicamp. Todo o processo envolvendo o produto deles foi desenvolvido aqui no Brasil, sem a necessidade de importação. O suco de laranja é armazenado à temperatura ambiente e transportado para ser distribuído no mundo todo sem perder sua qualidade e inocuidade. Tecnologia de bombeamento, limpeza de tubulação e dos tanques de armazenamento para milhões de litros foram desenvolvidos por engenheiros de alimentos aqui do Brasil, comprovando que temos profissionais aptos para superar os desafios que nos são colocados.

AI – Os alimentos processados possuem um maior shelf life, permitindo maior tempo de armazenamento, além de outras características nutricionais. No entanto, eles vêm sendo muito criticados por consumidores por supostos malefícios a saúde humana. Diante da necessidade de se alimentar uma população mundial que cresce, isso não chega a ser uma contradição, já que o maior tempo de prateleira permite um armazenamento mais adequado desse alimento e o processamento possibilita incluir uma gama maior de nutrientes?

Meirelles – A discussão que estabelece um vínculo entre problemas de saúde e alimentos processados é equivocada. O processamento de alimentos pode tanto auxiliar a saúde humana, como, em casos particulares, reduzir o seu benefício. Não se pode ter uma posição genérica em relação a isso. Vou te dar um exemplo. A fortificação do sal com iodo é benéfico para a saúde das pessoas. Isso é uma forma de processamento. O licopeno, que é um importante antioxidante encontrado no tomate, é melhor absorvido pelo organismo em produtos processados do que simplesmente comendo o fruto in natura. Outro bioativo importante é a isoflavona, presente na soja, que tem um impacto positivo na saúde, principalmente de mulheres na menopausa. A isoflavona só passou a ser acessível pelo processamento da soja em grãos. O azeite de dendê é um exemplo interessante. Rico em vitamina A, o seu consumo foi responsável por reduzir doenças associadas à deficiência desta vitamina em várias regiões do Brasil. No entanto, o óleo de palma, que é o azeite de dendê processado, não possui a vitamina A, que é destruída na industrialização. Ou seja, o produto perdeu valor nutricional, embora ganhe em outros aspectos.

AI – O processamento dos alimentos geram tanto ganhos quanto perdas, então?

Meirelles – Os alimentos processados têm mais vida de prateleira, preservando grande parte de suas características nutricionais. Não tenho dúvidas que são um dos grandes responsáveis pela redução dos problemas alimentares no mundo. Problemas esses que são grandes ainda. Agora, temos o outro lado da história. Existem problemas alimentares como diabetes e obesidade que são atribuídos aos processados, mas que não tem necessariamente uma correlação direta. Essas doenças são o resultado de hábitos alimentares inadequados, falta de atividade física e, por incrível que pareça, pela queda no preço dos alimentos, ocorrida pelos avanços tecnológicos do processamento. Hoje, as pessoas têm mais acesso a uma diversificada gama de produtos porque o preço é acessível, o que por outro lado transformou os hábitos alimentares em todo o mundo.

AI – Os produtos chamados ultraprocessados também têm recebido críticas. Esta terminologia não acabou por ajudar a criar uma imagem negativa para este tipo de produto?

Meirelles – Discordo completamente dessa terminologia. Ela foi adotada dentro de uma proposta de tabela nutricional que, ao invés de classificar os vários tipos de alimentos por seus compostos nutricionais e pelo nível de biodisponibilidade deles no organismo humano, optou por classifica-los de acordo com o grau de processamento adotado em sua fabricação. Cientificamente isso é equivocado. Se um alimento faz bem ou mal à saúde, isso está associado a sua composição nutricional e aos hábitos alimentares do consumidor, não ao seu nível de processamento. Há casos particulares de que um longo processo de industrialização é necessário, não só por questões de shelf life, mas para a obtenção de outros efeitos benéficos à saúde humana. No caso dos ultraprocessados há um erro de conceito. O leite condensado é tido como ultraprocessado. Só que no seu processo fabril, ele não recebeu nenhuma agregação de ingredientes fora dos existentes no próprio alimento. O açúcar foi concentrado, perdeu-se água e ele é um alimento relativamente fácil de produzir. Já o óleo vegetal precisa passar por diversas etapas até chegar ao produto final, sendo classificado também como ultraprocessado. Então, há um erro de classificação, além de um equívoco no impacto nutricional.

AI – Há produtos cárneos ultraprocessados?

Pflanzer Junior – Os produtos cárneos emulsionados, como salsichas, mortadelas e salames, passam por várias etapas de processamento e estariam nessa classificação de ultraprocessados. No entanto, eles passam por tratamentos térmicos os quais aumentam a disponibilidade nutricional de proteínas e nutrientes. Claro, alguns aditivos e compostos são usados visando um maior tempo de prateleira, o que acaba por baixar o custo do produto. Hoje, no entanto, existem opções sem a utilização de determinados aditivos, só que a preços bem maiores no mercado.

AI – A questão é que as pessoas entendem os ultraprocessados como vilões da alimentação. Há como mudar isso?

Meirelles – Os consumidores colocam vários produtos como vilões. Os snacks, guloseimas e balas estão no topo dessa lista, vamos dizer assim. Claro, se uma criança se alimenta apenas de bolachas e salgadinhos, não come frutas e pouco almoça, isso não será positivo para ela. Só que isso não tem a ver com o processamento de alimentos, mas sim com a forma como a família lida com a questão da alimentação em casa. É como alguém que só se alimenta de fast food. É claro que isso não fará bem a saúde dela. A alimentação deve ser balanceada e variada. Como comentei, às vezes o processamento ajuda na biodisponibilidade de nutrientes, às vezes não. É necessário ver caso a caso. É difícil, mas o que as pessoas precisam entender é que a alimentação deve ter como base produtos naturais e processados. Não há contradição nisso.

AI – Não falta ao Brasil centros de inovação na área de alimentos, como os existentes em outros segmentos econômicos? Seria uma oportunidade para o país trabalhar sabores genuinamente nacionais, criar tecnologias disruptivas e ampliar as opções de produtos no mercado brasileiro, tornando a indústria ainda mais competitiva. Por que não temos isso no país?

Meirelles – A indústria de alimentos ainda engatinha nessa questão. Possivelmente um pouco menos no setor de carnes, mas na indústria de alimentos de uma maneira geral. É preciso dar esse passo de sofisticação, principalmente devido ao porte da nossa indústria alimentícia. É difícil ter um centro de inovação se o país não tem base de indústria nacional ligada a capitais nacionais. É daqui que ela vai tentar conquistar o mundo. Não vir tecnologia de fora para conquistar o nosso mercado. É necessário ter essa base nacional. Os problemas do centro de inovação têm a ver com o fato de nossa indústria de alimentos, genuinamente nacional, estar engatinhando. Não no mercado interno, que é muito importante, mas na disputa do mercado externo. Quando observamos as empresas que vem de fora do país – e são bem-vindas -, elas já possuem seus centros de pesquisa e inovação, fazendo a adaptação de suas tecnologias às necessidades do mercado brasileiro. É preciso de centros para o desenvolvimento de inovações no país. Outro ponto é a nossa biodiversidade e o que ela oferece em termos de produtos. Há muito a ser explorado, e o que poderíamos chamar de um “Sabor Brasil”, que seja transformado em ativo e gere recursos e renda.

AI – No caso específico de carnes, não temos também um centro tecnológico de inovações disruptivas, mesmo o Brasil sendo um dos principais players do mercado mundial?

Pflanzer Junior – Realmente, dentro desse conceito nós não temos. Há centros de pesquisa importantes, como o Ital [Instituto de Tecnologia de Alimentos], e faculdades que trabalham no desenvolvimento de novas tecnologias. A própria Engenharia de Alimentos aqui da Unicamp é um centro de criação de patentes, novos processos e produtos. No entanto, não são tecnologias as quais vão colocar o país na liderança em inovação. Pelo menos, não nesse momento. Na indústria de carnes, grupos de pesquisa e desenvolvimento estão cada vez mais fortalecidos para contribuir na transformação dessa matéria-prima em produtos diferenciados. Isso será importante para o país deixar de ser apenas um exportador de commodities. Cerca de 90% dos embarques brasileiros de carnes é na forma in natura. Pouquíssimos volumes são de produtos processados, com maior valor agregado. O engenheiro de alimentos tem um papel fundamental nesse processo, levando conhecimento e tecnologia para a indústria da carne. Recentemente, passamos por problemas críticos relativos à fiscalização de produtos, mas isso já foi ultrapassado. Acredito que agora podemos retomar esse trabalho de inovação e desenvolvimento, colocando o Brasil também como um fornecedor de tecnologia.

AI – O Brasil tem um forte mercado de carne in natura e uma cadeia do frio bem instalada. No entanto, as carnes possuem um shelf life relativamente curto. Há tecnologias hoje que ampliem esse tempo de prateleira sem que a carne perca características como suculência, por exemplo?

Pflanzer Junior – Especificamente em relação a cadeia do frio, em grande parte ela está bem instalada no país. Mas, percebemos que existem falhas. Na década de 1980, o processo de embalagem a vácuo foi a tecnologia que possibilitou o comércio de carne fresca sem o congelamento. Nessa condição, a carne pode permanecer por até 120 dias em uma cadeia ininterrupta de frio. São quatro meses. Só que no Brasil o prazo de validade permitido pelo Ministério da Agricultura é de apenas dois meses, exatamente por termos pontos falhos na cadeia do frio, mesmo sendo ela bem estruturada. Normalmente, essas falhas estão no varejo, na ponta final, e acabam prejudicando o processo todo. Em termos tecnológicos, há várias soluções para a conservação da carne, mantendo a sua cor e suculência. Embalagens com atmosfera modificada já estão no mercado, possibilitando a conservação de carne vermelha por 15-20 dias. Nas embalagens tradicionais, bandejinhas de isopor com filme impermeável, o prazo é de três ou quatro dias. A indústria e o varejo ganham muito com esse tipo de embalagem, além de o produto ficar mais atrativo.

AI – Há outras tecnologias presentes no mercado, que ainda não estão disponíveis no Brasil?

Pflanzer Junior – Sim, existem outras tecnologias. Ocorre que no Brasil se tem alguns entraves relativos à inspeção e à autorização de uso. Por exemplo, embalagens ou filmes ativos que liberam compostos conservantes. O Brasil está para aprovar, mas não deve ser ainda nesse ano, o uso de ácido lático para descontaminação de carcaças, o que ajudaria a estender a vida útil do produto. O que seria necessário é o estabelecimento de uma sinergia entre Ministério da Agricultura, Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e indústria para que tecnologias como essa possam ser implementadas o mais rápido possível. Nesse aspecto, a universidade tem um papel importante.

AI – Qual seria esse papel da universidade?

Pflanzer Junior – Quem já teve a oportunidade de trabalhar e/ou estudar em universidades do exterior percebe que há uma forte sinergia entre a academia e a indústria. No Brasil, pelo menos em carnes, sentimos certo receio dessa aproximação. É algo que vem sendo superado, mas que ainda existe. Quando universidade e agroindústria atuam de uma forma sinérgica, se tem um respaldo maior dentro dos órgãos legisladores para aprovar novas tecnologias. O país não pode ficar atrás em termos tecnológicos. O Brasil é um dos principais produtores e exportadores de proteína animal do mundo. Infelizmente, o que vemos é uma tecnologia levar de cinco a dez anos para ser aprovada, enquanto no exterior já está em uso há muito tempo. Apesar disso, tenho notado uma melhora gradativa nesse aspecto.

AI – Como os senhores projetariam o mercado de alimentos nos próximos dez anos?

Pflanzer Junior – Uma tendência importante em carnes estará na forma de sua comercialização. Nos Estados Unidos já temos alimentos sendo vendidos na Amazon. Há redes de varejo online que conseguem atender demandas para produtos perecíveis. Há sites especializados em entregar cortes de carnes na porta de sua casa. Embora ainda restrito, já há o e-commerce de carnes no Brasil. Então, essa parte da comercialização é algo sem volta, que se tornará uma realidade cada vez mais presente no país.

Meirelles – Os setores de alimentos e bebidas têm vivido o que poderíamos chamar de gourmetização. É algo que se tornou mais comum e a tendência é que isso se estabeleça em todos os segmentos, criando mercados cada vez mais sofisticados e segmentados. Os consumidores têm anseios particulares com gêneros alimentícios e isso será atendido principalmente por meio do comércio eletrônico. Isso não significa que a tradicional cadeia de comércio irá desaparecer. Ela continuará a comandar a grande oferta massiva, mas teremos nichos que atenderão a diferentes hábitos de consumo, principalmente os mais sofisticados.

AI – Nesse cenário, as embalagens vão se transformar ao longo dos próximos anos?

Meirelles – O mercado deve passar a dispor de uma quantidade significativa de embalagens inteligentes. A nanotecnologia tende a estar mais presente nos invólucros, permitindo a liberação de substâncias que atuem na conservação do produto, por exemplo. Passaremos a ter embalagens capazes de detectar o tempo de vida útil de cortes específicos a partir da alteração de temperatura do alimento. Embora haja um controle, em etapas como o transporte ou descarga do caminhão para o supermercado, esse produto pode ser exposto a elevações de temperatura. Hoje, já temos embalagens que são capazes de documentar as oscilações térmicas ao longo de toda a trajetória do alimento. Esse tipo de coisa empodera o consumidor, que passa a ter maior controle sobre comprar ou não um produto, com ênfase na qualidade.

AI – Em diversas áreas produtivas se tem falado muito sobre a aplicação de impressoras 3D. O senhor acredita que no setor alimentício esse tipo de produção pode se tornar uma realidade?

Meirelles – Sim, acredito muito nisso. Em alimentos, já temos ouvido falar do uso de impressoras 3D. É algo que tende a aumentar, modificando inclusive a relação entre a indústria de alimentos e a culinária do dia a dia em casa. Poderíamos ter indústrias menores, que “imprimiriam” os seus produtos para venda direta ao consumidor. Também, passaríamos a ter empresas na área de serviços para alimentação que forneceriam os ingredientes para que o consumidor “construísse” o alimento em casa a partir da sua impressora 3D. Uma pizza, por exemplo.

AI – O senhor comentou que o mercado de alimentos está se tornando mais gourmet. Como isso influencia a indústria?

Meirelles – A indústria de alimentos tem se ligado cada vez mais à gastronomia. Hoje, as grandes indústrias possuem chefs contratados para orientar o desenvolvimento de novos produtos, com sabores diferenciados e que atendam a essa gourmetização do mercado. Além do processo industrial em si, se tem um movimento para fora da indústria, com campanhas de marketing mostrando o diferencial dos produtos e, em muitos casos, os agregando aos nomes de renomados chefs de cozinha. Isso é resultado da transformação dos hábitos alimentares e do próprio empoderamento do consumidor.

AI – Especificamente em relação a Engenharia de Alimentos, quais desafios o senhor apontaria para o futuro?

Meirelles – No caso dos engenheiros de alimentos – e do setor produtivo-alimentício em geral -, creio que temos uma grande oportunidade para atuarmos na solução do maior problema da humanidade, que é a deficiência alimentar de parcela significativa da população. Embora haja uma redução da fome no mundo, ela ainda continua presente. Por outro lado, temos como missão melhorar os hábitos alimentares das pessoas, muitas das quais vivem na obesidade. O desafio está em superar essas duas demandas. Reduzir a deficiência alimentar da fatia mais pobre da população mundial e minimizar o impacto da alimentação sobre alguns tipos de problemas de saúde.