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Economia

Em queda na bolsa, BRF vê espaço para recuperação

Desde janeiro, o valor de mercado da empresa caiu R$ 13,8 bilhões

Em queda na bolsa, BRF vê espaço para recuperação

Por que a BRF parece ter perdido o charme? Dona de marcas como Sadia e Qualy, a empresa superou turbulências societárias e contornou problemas de ordem sanitária investigados pela Polícia Federal. Liderada por Pedro Parente e Lorival Luz, reorganizou dívidas, vendeu ativos e voltou ao azul. Mas as ações amargam forte queda em 2020, embora os gestores da companhia sustentem que a realidade e as perspectivas sejam positivas.

Mesmo beneficiada por uma demanda chinesa sem paralelo e com o consumo de alimentos do brasileiro sustentado pelo auxílio emergencial, a BRF não tem animado os investidores. Pelo contrário. Neste ano, suas ações estão entre as piores quedas do Ibovespa, superando a desvalorização de empresas atingidas em cheio pela pandemia, como a Gol.

Desde janeiro, o valor dos papéis da BRF caiu 48,4%, enquanto o Ibovespa recuou 14,7%. No ano, a líder global em frango perdeu R$ 13,8 bilhões em valor de mercado e, hoje, está avaliada em menos de R$ 15 bilhões. No auge, em meados de 2015, chegou a valer quase R$ 63 bilhões.

Entre as empresas de proteínas animais listadas na B3, a comparação também é desfavorável para a dona da Sadia. Os papéis de JBS e Minerva caíram 12,1% e 11,6% neste ano, respectivamente. As ações da Marfrig valorizaram mais de 50%, estreitando a diferença para a BRF. Em 2019, quando as duas negociaram uma fusão – negócio que não prosperou -, os acionistas da BRF ficariam com 85% da gigante resultante da combinação. Fosse hoje, essa fatia seria inferior a 60%.

Para quem vê o copo meio cheio, o desempenho negativo das ações pode significar um ótimo momento para investir em um negócio barato e com potencial de crescimento. Para o CEO da BRF, Lorival Luz, é justamente esse o caso. Na avaliação do executivo, a companhia apresenta, em seu setor, a “maior oportunidade aos investidores”.

Além disso, o CEO acredita que a empresa é comparada indevidamente com as concorrentes listadas na B3. “Ficamos num córner, sendo comparados a um frigorífico de carne bovina sem o benefício de estar nos Estados Unidos”, disse Luz, em alusão à JBS e Marfrig – ambas obtêm boa parte da geração de caixa no negócio americano de carne bovina, que passa por um momento excelente.

Segundo Luz, a comparação se reflete no múltiplo (relação entre valor de firma e Ebitda) pelo qual a ação da BRF vem sendo negociada, próximo de 6 vezes. O executivo acredita que, graças ao portfólio de produtos processados – com marca e de maior valor agregado -, a companhia deveria ser negociada como uma “empresa de alimentos”, com o múltiplo superior a 10 vezes.

No mercado, porém, nem todos entendem assim. No passado, a BRF tentou se vender como uma Nestlé, mas os planos acabaram mal, com uma sequência de prejuízos bilionários e descoordenação operacional.

Para um analista de um grande banco, os papéis da BRF só caíram tanto em 2020 porque estavam fora da realidade no ano passado, em meio à euforia dos investidores com os efeitos da peste suína africana na China. “Chegou próximo de R$ 40. O problema estava lá. Agora é que faz sentido”. Ontem, as ações fecharam a R$ 18,15 na B3.

A desvalorização também sofre reflexos da conjuntura internacional. Na visão de alguns analistas, a peste suína africana de fato teve efeitos importantes sobre os negócios da BRF, engordando a rentabilidade das exportações para a Ásia. No entanto, há quem diga que a melhor fase do ciclo se foi, o que estaria expresso nos dados que indicam gradual recuperação do plantel de porcos do país asiático. “Qualquer que seja o efeito da gripe suína, parece mais próximo do fim que do começo”, destacou outro analista de mercado.

A disparada dos grãos, insumos da ração animal, também é um importante desafio para a BRF, tendo em vista que o preço da carne de frango já está em um dos maiores níveis da história e os repasses aos consumidores podem ser mais difíceis. Como o Valor já informou, a margem da criação de aves está no pior momento desde 2016. “A tendência para o ano que vem é de queda nas margens”, acrescentou um analista.

Em contrapartida, André Hachem, analista do Itaú BBA, considera que as indicações negativas para o ciclo do frango já foram mais do que precificadas. Segundo ele, as ações caíram mais do que deveriam e há espaço para que se recuperem. O Itaú tem um preço-alvo de R$ 28 para o papel no fim de 2021, o que indica um potencial de alta de quase 55% na bolsa.

Embora reconheça a importância dos grãos na matriz de custos, Lorival Luz reitera que a BRF é uma empresa de alimentos processados, o que ajuda a diluir os impactos da ração mais cara. “É uma matéria-prima importante, mas não vendo só frango”, afirmou. No Brasil, onde a BRF obtém metade do faturamento, mais de 75% do volume vendido é de alimentos processados – aves in natura representam pouco mais de 19%. No exterior, no entanto, os produtos in natura, sobretudo cortes de carne de frango, ainda são a maior parte.

A convicção de Luz de que a BRF é um bom investimento está ancorada nos planos para os próximos anos. Concluída a reestruturação financeira e operacional, chegou a hora de avançar. “2021 é o ano de crescimento”, frisou ele, admitindo a possibilidade de fazer aquisições para ampliar o tamanho da BRF, que fatura mais de R$ 35 bilhões ao ano.

Segundo ele, a estrutura de capital foi ajustada para que a companhia esteja apta ao crescimento. Em setembro, a BRF captou US$ 500 milhões em títulos com vencimento em 30 anos, alongando o prazo médio de vencimento das dívidas de 4,9 para 8 anos. Ontem, a BRF voltou ao mercado e captou US$ 300 milhões, emitindo mais papéis com vencimento para 2050. Desde o período mais crítico, em 2018, o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) saiu de 6 vezes para 2,89 vezes – há analistas que consideram o número mais próximo de 4 vezes, por causa dos arrendamentos e de antecipações de recebíveis.

Como bom mineiro, Luz quer crescer sem alarde. “Arrumamos a estrutura de capital para crescer do nosso jeito. Sem shows pirotécnicos e sem estripulias”. Ele também descarta mudanças na “estrutura de capital acionário”. Também não se deve esperar aquisições em série. Integrar o ativo e capturar primeiro as sinergias é palavra de ordem para o potencial crescimento inorgânico.

A aposta é que, aos poucos, o investidor ressabiado com o passado turbulento perceba o valor da empresa. No que depender de Luz, cada vez mais a BRF será um negócio de alimentos, e nem sempre relacionado a carnes – não à toa, ele faz questão de frisar a recente entrada da companhia no mercado de vegetais congelados. “De grão em grão, a galinha enche o papo”, resumiu o executivo.