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Fibra: uma palavra ampla, confusa e quimicamente mal definida

Por Alexandre Barbosa de Brito, médico veterinário, PhD em nutrição animal

Fibra: uma palavra ampla, confusa e quimicamente mal definida

A palavra fibra usada no contexto da nutrição animal é ampla, confusa e quimicamente mal definida! Assim inicia a abordagem de uma excelente revisão realizada por Choct (2015) pertencente a uma equipe de pesquisadores australianos da University of New England. Esta coluna é a primeira de duas publicações que farei junto com a equipe da Gessulli para trazermos um entendimento melhor deste nutriente importante e que começa a ser melhor utilizado pelos nutricionistas de monogástricos, em especial como estratégia predominante para modulação de microbioma, manutenção de desempenho zootécnico e redução de custo de alimento.

Para o autor, a definição é ampla porque a fibra tem sido tradicionalmente referida como um resíduo orgânico que permanece após uma série de extrações ácidas, alcalinas e/ou com uso de detergentes; é confusa porque vários termos são usados para descreve-la, tais como: Fibra Bruta, Fibra de Detergente Ácido, Fibra de Detergente Neutro, Polissacarídeos Não Amiláceos, etc… Todos estes termos referem-se a uma proporção do mesmo produto químico, porém nenhuma realmente traz o real contexto universal do que se pode definir como a fração total de fibra presente na dieta. Eles também não correspondem ou relacionam-se entre si de maneira direta – como veremos mais adiante. A palavra fibra, ainda de acordo com Choct (2015), é quimicamente mal definida pela maneira como todas essas fibras, exceto o conceito de Fibra Dietética (FD), são obtidas e dependem de extrações com solventes que não distinguem entidades químicas específicas.

Como a nutrição animal está se cada vez mais se tornando uma ferramenta de sustentabilidade, por se esperar o máximo de desempenho com o mínimo de recursos utilizados, todos os nutrientes que são trabalhados em uma dieta necessitam ser examinados. Nos últimos anos, surgiu um grande interesse em saber como a fibra pode ser aproveitada na alimentação de aves e suínos. Para isso, as entidades químicas que compõem a fibra precisam ser elucidadas, e suas propriedades físicas e funcionais devidamente compreendidas.

Antes de evoluirmos no trabalho de 2015, se faz necessário contextualizar o interesse deste grupo de pesquisadores quanto ao tema fibra. Em uma publicação anterior (Choct 2009) avaliaram o papel de alguns nutrientes no gerenciando a integridade intestinal dos animais. De acordo com o autor, a saúde e nutrição são interdependentes. A interação entre os dois ocorre em grande parte no intestino, assim, o termo “saúde intestinal” é muito amplo e passará a requerer uma abordagem cada vez mais multidisciplinar, envolvendo fisiologia intestinal, endocrinologia, microbiologia, imunologia e nutrição (ou seja, Nutrologia). Ainda de acordo com o autor, um dos desafios do nutricionista para a década de 2010-2020 seria caracterizar a constituição do microbioma intestinal e definir como estes organismos interagem entre si e com o hospedeiro.

Este tema, realmente foi muito abordado em publicações científicas desta década. Técnicas como determinação de sequenciamento genético por 16S rRNA ou 16S rDNA, % Guanina + Citosina, passaram a ser um padrão nos estudos mais recentes sobre microbioma. Um bom exemplo de como esta técnica está ajudando na compreensão de eventos de digestibilidade e modulação de microbioma pode ser visto no trabalho de Niu et al. (2015). Estes autores trabalharam com suínos de 28 até 150 dias de idade, levando-se o sequenciamento genético (utilizando-se a técnica de 16S rDNA) e correlacionando a população intestinal com a digestibilidade aparente da fibra bruta (CF), fibra em detergente neutro (NDF), fibra em detergente ácido (ADF), proteína bruta (CP) e extrato etéreo (EE). Um total de 22 filos e 249 gêneros foram identificados em todas as amostras fecais, sendo que os Firmicutes e Bacteroidetes (bactérias especializadas em digestão de fibras) foram os filos mais dominantes em todas as amostras, porém houve grande variação no decorrer da idade, conforme descrito na Figura 1.

Coluna

Figura 1. Valores de sequenciamento de 16S rDNA de populações contidas em amostras de fezes de suínos de 28 a 150 dias de idade e sua relação com a digestibilidade aparente de nutrientes.
Fonte: Niu et al. (2015)

 

Porque o entendimento da fibra é importante neste contexto de desenvolvimento bacteriano? A resposta passa pelos principais sítios de fermentação em aves e suínos que ocorre no intestino grosso, em especial nos cecos. Neste ambiente, estas frações da microbiota realmente possui um papel de relevância e se observarmos o conteúdo nutricional dos alimentos que chegam no intestino grosso, 60% do volume total é representado pelas frações de fibra (Figura 2).

Coluna

Figura 2. Composição nutricional de alimentos completos de frangos de corte e a fração disponível após a passagem pelo íleo destes animais.
Fonte: ABVista (2019)

 

Estes conceitos nos trazem de volta a necessidade de caracterização eficiente da fibra nas dietas de monogástricos. Como mencionado anteriormente, a FD seria um melhor parâmetro que os tradicionais termos utilizados. De acordo Choct (2015), a definição de FD provoca uma grande controvérsia, porque igualmente pode ter havido numerosas, às vezes confusas, definições ao longo dos anos, incluindo definições baseadas nos efeitos fisiológicos e em métodos de determinação. De relevância direta para a nutrição de monogástricos, o autor recomenda-se definir a FD como sendo a soma do conteúdo de polissacarídeos não amiláceos totais (PNAt) e lignina (Figura 3).

Desta forma, para aumentar a produtividade e reduzir o custo de produção, é essencial que todos os nutrientes no espaço da matriz na formulação de rações sejam cuidadosamente considerados e compreendidos, inclusive a FD. No futuro, novas matrizes de nutrientes devem ser desenvolvidas para considerar todos os carboidratos presentes nos ingredientes, incluindo em especial as quantidades e tipos de oligossacarídeos e PNAt, além de suas frações solúveis e insolúveis (já que a liginina não possui papel viável na nutrição de monogástricos). Tal abordagem levará a um uso mais direcionado de ingredientes nutracêuticos, como enzimas de degradação de PNAt, aditivos a base de fibra e outros intensificadores modulação intestinal.

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Figura 3. Relação entre os vários conceitos de fibra, com destaque para a definição de Fibra Dietética – FD.
Fonte: Choct (2015)

Este material servirá de apoio e consulta para uma série de futuras publicações envolvendo modulação de microbioma intestinal, por trazer de forma resumida o entendimento de fibra dietética.