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Economia

Negócios em toda a cadeia produtiva do agro

Ao longo de 2020, foram registradas 39 transações no setor, ritmo que deve perdurar nos próximos anos

Negócios em toda a cadeia produtiva do agro

O setor de agronegócios foi às compras. Com empresas capitalizadas e oportunidades de consolidação em segmentos como revenda de insumos e fertilizantes, o setor não sentiu os efeitos da pandemia e registrou crescimento nas operações de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês) em 2020 e nos primeiros meses de 2021. Ao mesmo tempo, atrai cada vez mais a atenção de investidores financeiros (como fundos de private equity) e vê o crescimento do número de empresas buscando a abertura de capital na bolsa, o que deverá aumentar o apetite por novas aquisições nos próximos anos.

Um levantamento da KPMG produzido com exclusividade para o Valor mostra que foram fechadas 39 transações de fusão e aquisição no setor ao longo de 2020. O número engloba negócios em toda a cadeia – laticínios, frigoríficos, sementes, revenda e distribuição de insumos, fertilizantes, produtos florestais, açúcar e álcool – e significa um incremento de 21,8% em relação aos 32 negócios mapeados em 2019.

No primeiro trimestre de 2021, foram realizadas 18 transações, ou praticamente a metade do verificado em todo o ano passado. “Em 2019, o setor foi o 11º no ranking setorial de transações. Em 2020, ocupou a nona colocação e, no primeiro trimestre de 2021, ficou em quarto lugar, o que aponta para um aquecimento muito forte das transações”, diz o sócio-líder de fusões e aquisições da KPMG, Luis Motta.

Um dos segmentos que passa por um processo de consolidação é o de revenda e distribuição de insumos agrícolas. Em 2020, o Pátria Investimentos adquiriu a Central Agrícola (RO), a AgroGalaxy comprou a Boa Vista (MS) e a canadense Nutrien anunciou a aquisição da Agrosema Agrícola (SP). Em julho de 2021, a Syngenta Proteção de Cultivos anunciou a assinatura de contrato para aquisição da Dipagro, empresa distribuidora de insumos agrícolas no Estado do Mato Grosso.

O fenômeno engloba desde investidores financeiros consolidando a distribuição de insumos como também produtores estrategicamente se posicionando na revenda e até comprando revendas de concorrentes, observa Giovana Araújo, sócia-líder de agronegócio da KPMG. “A revenda é o varejo do agronegócio, um elo da cadeia bastante estratégico e ainda fragmentado e que, portanto, gera oportunidades de consolidação”, diz.

O exemplo da gestora de private equity Pátria Investimentos mostra o interesse crescente de investidores financeiros por diferentes segmentos do agronegócio. A aposta do Pátria na distribuição de insumos agrícolas teve início em 2018, com a aquisição do controle do Grupo Pitangueiras e desde então diversas aquisições foram anunciadas. Em setembro de 2020, foi a vez da gestora Tarpon adquirir o controle da Agrivalle (SP), do segmento de bioinsumos, em um negócio avaliado em R$ 160 milhões.

A aposta de investidores financeiros no campo é uma tendência “normal e natural”, na visão do sócio da PwC Brasil, Leonardo Dell´Oso, tendo em vista a importância do agronegócio na economia brasileira nos últimos anos. “É um setor com muita perspectiva futura por conta da eficiência operacional, do nível de rentabilidade e dos preços das commodities no mercado internacional. Isso puxa os resultados econômicos das empresas e, consequentemente, o interesse dos investidores”, diz.

O aumento da presença de empresas do agronegócio na bolsa brasileira, ainda que de forma tímida, também tende a impactar positivamente na indústria de M&A nos próximos anos, na visão de Pedro Dias, sócio da prática de societário/M&A do Mattos Filho. “M&A e mercado de capitais não competem, pelo contrário. A empresa que faz uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) ou um follow-on (oferta subsequente) usa parte dos recursos para aquisições ou para diminuir o endividamento feito com uma aquisição recente”, explica.

Alguns exemplos ajudam a ilustrar esse cenário. Holding que reúne os negócios de distribuição de insumos da gestora Aqua Capital, a AgroGalaxy, plataforma de varejo que vende insumos agrícolas e serviços a pequenos e médios produtores, planeja um IPO com oferta restrita e tem divulgado nos roadshows que parte do caixa levantado será aplicado em aquisições. Já a Boa Safra Sementes, líder do mercado brasileiro de sementes de soja, movimentou R$ 459,9 milhões em sua oferta pública inicial de ações em abril de 2021. A empresa pretende usar metade dos recursos levantados na operação, coordenada por XP e UBS BB, em crescimento orgânico e inorgânico.

Embora fiquem aquém de setores que tradicionalmente dominam os rankings de M&A no Brasil, a exemplo de empresas de internet, tecnologia da informação (TI), saúde e finanças, as operações de fusão e aquisição no agronegócio ganham cada vez mais popularidade e devem se manter aquecidas nos próximos anos. “Sempre houve uma desproporcionalidade grande entre a importância do agronegócio no mercado de M&A e sua relevância para o Produto Interno Bruto (PIB)”, diz Pedro Dias, do Mattos Filho. “Mas não há dúvidas de que o segmento ganhará importância na indústria de fusões e aquisições ao longo dos próximos anos. Cruzamos a primeira barreira e hoje vemos um segmento mais organizado e profissional, menos focado em CPFs e mais em empresas que querem ser auditadas, atrair fundos ou abrir capital.”

Cenários como o descrito acima criam oportunidades para negócios em áreas pouco exploradas pela indústria de M&A há poucos anos. Em julho, a SLC Agrícola, empresa produtora de commodities, concluiu a incorporação das operações da Terra Santa Agro, em uma transação avaliada em R$ 753 milhões e já aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com o acordo, a SLC terá à disposição 145 mil hectares a mais para produzir na safra 2021/22.

A Fertilizantes Tocantins acertou a venda das operações para a suíça EuroChem, em um negócio em duas etapas que superou o montante de R$ 2 bilhões, conforme apurado pelo Valor. “Existe espaço para consolidação também no ramo de fertilizantes. Estamos envolvidos em mais de um deal relevante”, diz Dias, do Mattos Filho. Conforme a KPMG, foram quatro transações no ramo de fertilizantes apenas no primeiro trimestre de 2021, a metade das oito transações feitas durante todo o ano de 2020.

Outra frente que ainda engatinha, mas que deve ganhar espaço nos próximos anos, é a de aquisições envolvendo as agritechs, as startups com soluções inovadoras para o agronegócio. O movimento ocorrerá em duas frentes: de um lado, com grandes corporações adquirindo essas startups e, de outro, com um movimento de consolidação entre as próprias agritechs. “A tendência é que, a partir da chegada do 5G, haverá uma aceleração forte do uso de tecnologia no campo e, consequentemente, startups serão compradas por grandes empresas”, diz Dell ´Oso, da PwC.

A consolidação do mercado de agritechs começa a acontecer com exemplos esporádicos. Em março, a startup Agrosmart, fundada em 2014 e que oferece uma plataforma de agricultura digital com uso de sensores e inteligência de dados para geração de insights agronômicos, anunciou a compra da argentina BoosterAgro. Com operações desde 2016, a startup oferece uma plataforma gratuita de dados meteorológicos e tem forte penetração na América Latina.

Com o acordo, a empresa paulista amplia sua base dos atuais quatro mil usuários e 800 mil hectares para cem mil usuários ativos e 48 milhões de hectares. A fundadora e CEO da Agrosmart, Mariana Vasconcelos, explica que a aquisição não foi apenas a concretização de uma oportunidade de negócios. Desde 2019 a startup estruturou uma estratégia de M&A, que culminou com a chegada de um head para a área, o argentino Eduardo Michell Grasso. “Criamos essa estratégia porque entendíamos que nosso mercado passa por um momento de consolidação, desde a indústria de insumos até as agritechs, mas ainda lidamos com um mercado offline, bastante pulverizado e o crescimento orgânico é difícil.”

O valor da aquisição da BoosterAgro não foi divulgado, mas saiu em parte do caixa da Agrosmart, que recebeu aportes em duas rodadas de investimento desde 2015, e parte de uma rodada-ponte que ainda não foi finalizada. Novas aquisições de agritechs estão no radar, e a concretização de um investimento série B em 2022 contribuirá com a estratégia. “A BoosterAgro foi a primeira aquisição e esperamos outras em breve. Temos uma estratégia forte de expansão para a América Latina”, destaca.