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O xadrez da suinocultura chinesa; e os impactos para o Brasil

A suinocultura brasileira precisa estabelecer um planejamento estratégico urgente, mirando os próximos cinco anos

O xadrez da suinocultura chinesa; e os impactos para o Brasil

O setor, apesar da elevação nos custos produtivos, só tem a comemorar os resultados em um ano de desafios extremos

A suinocultura brasileira precisa estabelecer um planejamento estratégico urgente, mirando os próximos cinco anos, pelo menos. Uma visão como setor produtivo, envolvendo análises de toda a cadeia produtiva de proteína animal é mais do que premente para se evitar um cenário futuro de excesso de oferta e crise. Os atuais números da produção nacional de suínos são ótimos. Segundo ano seguido de recorde nas exportações. O consumo interno se mostra consolidado. Os investimentos no campo começam a sair do papel e preparam o terreno para atender a aquecida demanda mundial por carnes. O setor, apesar da elevação nos custos produtivos, só tem a comemorar os resultados em um ano de desafios extremos.

No entanto, é preciso lembrar que os resultados destes dois últimos anos se deram com base no impacto da Peste Suína Africana (PSA) no rebanho suíno chinês, que foi dizimado em números que variam de 30% a 40%, ou até mais, dependendo da fonte. O vírus da PSA ainda provocou estragos na suinocultura em diversos outros países da Ásia e seguiu para algumas regiões da Europa. O que aconteceu na suinocultura chinesa transformou o mercado mundial de proteína animal.

O tabuleiro redimensionou produções em todo o mundo; e o Brasil foi um dos grandes beneficiados. Hoje, os embarques para a China estão entre os principais motivos das exportações de carne suína fecharem este ano com um volume de um milhão de toneladas. No entanto, a demanda chinesa é tanta, que mesmo países com produções menores, como Portugal, passaram a vender o produto suíno para este mercado asiático.

Além disto, a não disponibilidade de suínos no mundo para atender o consumo dentro das dimensões do país asiático, elevou as vendas de carne de frango e bovina. Nas quais, o mercado da China também se transformou no principal cliente do país.

É sabido por todos, que os chineses estão reconstruindo sua suinocultura local, só que agora de uma forma altamente tecnificada. A atividade será bem diferente da que foi afetada pela PSA há dois anos, cuja maioria era de pequenos e médios produtores com criações adotando pouca tecnologia. O ritmo desta reconstrução está mais acelerado do que as projeções iniciais indicavam que seriam. O resultado final deste processo novamente impactará as peças que compõem o tabuleiro mundial dos players em carnes. O Brasil precisa estar preparado para este momento. Sempre lembrando que os chineses são os grandes compradores da soja brasileira e irá ampliar as compras de milho. Ambos, soja e milho, base alimentar de suínos e aves.

 

VORACIDADE EM MILHO E SOJA, RETRAÇÃO NAS CARNES

O cenário para os próximos cinco anos apontam para este avanço importante na recuperação da produção chinesa de suínos, que sendo feita de forma tecnificada, irá necessitar cada vez mais de insumos alimentares, como o farelo de soja e o milho. Um relatório elaborado pela equipe de Consultoria Agro do Itaú BBA – “Pensando a recuperação da produção de suínos na China” – traça alguns cenários possíveis. Dentro do que pode ser considerado o cenário base, a estimativa é de que entre 2020 e 2025, a produção chinesa de suínos irá necessitar de algo próximo a 95 milhões de toneladas a mais de ração, ou seja, um crescimento de 134% no período. Em termos de farelo de soja, seriam mais 19 milhões de toneladas (equivalente a 24,1 milhões de toneladas de soja) e 66,5 milhões de toneladas de milho, ambos no mesmo comparativo. Isto, fora a demanda em outras atividades de produção animal. Ao mesmo tempo, o relatório do Itaú BBA projeta a suinocultura chinesa com uma produção de 55,5 milhões de carne em 2025. Volume superior ao período pré-PSA (54,5 milhões de toneladas em 2017).

O indicativo disto tudo é que a demanda por grãos tende a se manter aquecida no cenário internacional, impactando os preços internos no Brasil, que é um grande exportador. Eventualmente, a redução do tom entre Estados Unidos e China, com a eleição de Joe Biden, pode recolocar os americanos com mais força no mercado chinês como fornecedor destes commodities agrícolas. O que também pode equalizar preços. Mas, inicialmente, a tendência é de alta, o que deve elevar o nível de preocupação do produtor de proteína animal no Brasil. Até porque, há expectativa de La Niña em 2021, fenômeno climático que pode afetar as lavouras na América do Sul.

Por outro lado, o avanço da produção interna de carnes na China, que além da suinocultura tem buscado expandir a produção de aves, principalmente, pode impactar nos volumes importados. Muito embora, estes volumes já vinham em uma crescente no pré-PSA. No entanto, é muito clara a política chinesa de buscar alternativas de fornecimento de proteína animal, evitando uma superdependência de um único país, buscando resguardar sua segurança alimentar. Situação vivida ao inverso pelo Brasil, que passou a depender muito fortemente da China nestes dois últimos anos. Do total de carne suína exportada pelo Brasil em 2020, algo acima de 60% do volume seguiu para o mercado chinês, considerando China e Hong Kong. No curto prazo, o cenário de carnes deve se manter positivo ao Brasil no contexto internacional. Mas, é preciso pensar a partir daí.

 

VISÃO ESTRATÉGICA DE MERCADO

O setor suinícola sabe que necessita reduzir sua dependência das importações chinesas no médio prazo, sob o risco de ocorrer uma situação similar a vivida com o mercado russo alguns anos atrás. No entanto, a euforia parece maior do que a preocupação. Não seria nem o caso de preocupação, mas sim adotar um posicionamento estratégico com uma leitura do contexto internacional e planos de ação conforme as peças vão se movimentando no tabuleiro mundial nos próximos anos.

Há potenciais mercados para o avanço do Brasil com seu produto suíno, como Coreia do Sul, Japão e Filipinas. Mesmo com a completa recuperação do mercado chinês, possivelmente o país deva continuar como um importante fornecedor, pois a tendência é ainda da importação de volumes significativos. Basta lembrar que no pré-PSA, os chineses ainda compravam algo próximo a duas milhões de toneladas de carne suína no mercado internacional.

No entanto, esta ação precisa ser imediata. A simples abertura de um mercado não significa garantia de vendas. Apenas indica que governos de ambos os países chegaram a um consenso sanitário, comercial etc. É necessário ações e investimentos setoriais, principalmente se pensarmos no comércio com países que remuneram melhor pelo produto. Exigindo, como contrapartida, uma série de aspectos ligados a características de produção, práticas de bem-estar animal e relacionadas a sustentabilidade.

É preciso compreender os novos rumos das demandas mundiais de consumo, avaliando como aplicá-las ao setor brasileiro, ou adaptá-las dentro das nossas características produtivas e de mercado. É preciso observar fortemente o movimento geopolítico, como a formação do RCEP (Parceria Regional Econômica Abrangente), que conecta comercialmente 15 países da Ásia e Oceania, muito clientes ou potenciais clientes do Brasil, mas que passariam a ter preferência comercial entre si.

Sem uma estratégia para os próximos 10 ou 20 anos – que é onde o Brasil costuma falhar, de uma maneira geral – toda a competência, capacidade e status sanitário que temos pode não ser suficiente. Sem isso, como sempre, iremos surfar e aproveitar as boas ondas do comércio internacional, mas levar grandes tombos quando o mar fica revolto.