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Para entender a crise do câmbio

<p>Leia artigo sobre o tema escrito pelo coordenador Científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esal-USP).</p>

Da Redação 31/05/2006 – A taxa de câmbio efetiva no Brasil vinha se apreciando expressivamente desde meados de 2004.  Sucessivas previsões a respeito de um piso para essa valorização vinham sendo continuamente superadas. Que a capacidade geradora de divisas do Brasil tanto na conta comercial como na de capitais   prosseguisse firme ante tal adversidade surpreendia continuamente a maioria dos analistas. Agora, quando, de certa forma, esses analistas se conformavam com a sina do excesso de valorização, vem o sobressalto das acentuadas desvalorizações observadas nos últimos dias. Como entendê-las? O que esperar daqui para a frente?
 

Crescimento forte e juros baixos lá fora…

A simultaneidade de altas taxas mundiais de crescimento econômico e baixas taxas de juros tem sido característica do período pós-2001. É interessante notar que a expansão mundial acelerada, concentrada no grupo de países emergentes, não provocava ameaça inflacionária nos países do primeiro mundo, onde as taxas de juros são formadas pela ação de seus bancos centrais à luz do comportamento de suas taxas de inflação. A elevada liquidez e o alto poder de compra no mercado internacional levavam a entradas substanciais de moeda estrangeira em países com economias razoavelmente bem gerenciadas, como é o caso do Brasil. No nosso caso, aliás, tem contribuído também para a atração de capitais a taxa de juros muito elevada. Esta tem favorecido também as exportações e, portanto o influxo de divisas, ao conter o consumo e o investimento internos.

 

O quê está mudando?

O quadro aparentemente começa a mudar a partir da efetiva sinalização do banco central americano (Fed) de nova tendência desta vez de alta nos juros americanos. Parece que finalmente a persistente alta das commodities (metais e petróleo) começa a afetar a inflação americana provocando tal reação de suas autoridades monetárias. Essa elevação dos juros americanos, com possível reação similar dos demais países desenvolvidos, tende a reduzir o fluxo financeiro aos países emergentes. Esse fato pode em princípio reverter a forte tendência de valorização da moeda brasileira, como tem-se verificado nos últimos dias. As questões relevantes são duas. Primeiro, em que medida os ajustes recentíssimos a que assistimos seriam duradouros? Segundo, em caso positivo, qual a intensidade dos ajustes?

 

O dólar – fora do Brasil –  embute uma valorização crônica!

A primeira questão tem a ver com o grau em que as taxas atuais de câmbio acham-se afastadas de um equilíbrio sustentável. Antes de mais nada, é preciso perguntar se o dólar acha-se razoavelmente posicionado no mercado cambial internacional. Tendo-se em conta os substanciais déficits em conta-corrente  americanos, não há como deixar de concluir que o dólar deve cair para amenizar esse quadro de desequilíbrio, que tem sido mantido por um fluxo significativo de capitais aos Estados Unidos provenientes de países comercialmente superavitários, liderados pela China. Estes países têm aplicado suas reservas em títulos americanos apesar dos baixos rendimentos que proporcionam.

 

Quais as conseqüências do aumento dos juros nos EUA?

A elevação dos juros pelo Fed, que agora se verifica, poderá ter dois efeitos: um imediato, de aceleração desses fluxos aos Estados Unidos e maior apreciação do dólar. Com isso, provavelmente se assistiria a uma  queda nos preços de commodities e desaceleração da economia mundial  com redução no volume de comércio mundial. O déficit em conta-corrente americano provavelmente ficaria mais ou menos onde está porque o fortalecimento do dólar seria compensado pela queda na atividade econômica daquele país. Com isso estará se criando o combustível para uma forte desvalorização do dólar, que caracterizaria o efeito que viria em seguida. A elevação dos juros apenas adia e potencializa este efeito.

 

Real versus dólar onde estamos e para onde poderemos ir?

Pode ser que seja ao primeiro dos efeitos que estamos assistindo nos últimos dias. A qualidade do gerenciamento econômico é que vai determinar o grau em que os vários países vão ser afetados. Até 2005, o dólar, de acordo com o FMI, achava-se sobrevalorizado em 14% em relação ao ano 2000  e em 19% em relação ao piso de 2002. É difícil que tenha combustível para se valorizar ainda muito mais. Isso só poderá ser verificado depois que a poeira assentar.  Por outro lado, conforme o IPEA, o real se achava-se até o ano passado – valorizado em relação ao dólar, mas não muito: 4% em relação a 2000 e mais de 50% em relação ao piso de dezembro de 2002. Há que prevalecer o bom senso no sentido de que os valores de 2002 estavam altamente distorcidos pelos padrões históricos. Assim,  a menos que haja uma disparada do dólar no mercado internacional, não há espaço para grande desvalorização do real, excetuando-se evidentemente as turbulências que caracterizam o mercado cambial que no médio prazo tendem a se esvaecer. 

Nos últimos 2 meses mas antes da crise – conforme The Economist,  o dólar caiu quase 5% em relação ao euro; ao mesmo tempo em que o real se valorizava 3% em relação ao dólar e, em relação ao euro, pouco mais de 8%. Ou seja, presenciava-se no Brasil a uma movimentação consistente com o cenário dos últimos anos, com a desvalorização do dólar se dando também em relação a outras moedas. Tudo isso antes das turbulências atuais! Não há ainda o fato novo da apreciação do dólar no mercado externo que justifique uma reversão substancial de sua taxa em relação ao real. Entretanto, nossos instrumentos para prever turbulências injustificadas no mercado cambial ainda são bastante precários.

 

Quais os riscos para o Real?

No que toca ao gerenciamento econômico brasileiro, não tem havido alterações significativas; porém, especuladores sempre podem encontrar justificativas para atuar até com agressividade no mercado. Fica, por exemplo, a dúvida sobre que uso farão do fato de ter havido ajustes no superávit primário, que antes ficava sistematicamente acima da meta de 4,25% e que agora não deverá exceder essa meta oficial. O próprio cálculo do superávit pode ter sofrido mudança que o superestimaria quando comparado ao método em vigor anteriormente.

Uma dificuldade que emerge das turbulências é o fato de que elas próprias dão origem a riscos adicionais para aqueles países mais vulneráveis. No caso do Brasil, a vulnerabilidade parece mais ligada às violentas oscilações que se observam no bojo desta crise. A reação recomendada é a de diante da crise aumentar ainda mais os cuidados na área fiscal, ou seja, elevar o superávit fiscal, no nosso caso. O simples fato de o Brasil não reagir desta forma já pode aumentar a percepção do risco a que o país está exposto.

 

E o agronegócio?

Quanto ao agronegócio, uma desvalorização do real de cerca de 7% – tomando por base o nível anterior à crise atual – traria novamente essa moeda a seu patamar médio de longo prazo incluindo toda a década de 1990 e os anos 2000. Mas somente uma desvalorização monstruosa de 70% recuperaria o nível excepcional de 2002. Haja crise para gerar tal terremoto! Excetuando-se a possibilidade de que a crise avance de forma desenfreada, o ajuste cambal brasileiro, quando ocorrer, será moderado (um dígito). Isso não deverá provocar nenhuma euforia da parte dos produtores, ainda escaldados pela última onda de valorização cambial, que, além de altamente custosa, serviu para revelar fragilidades do setor, que antes parecia invulnerável a choque de qualquer natureza.

Uma disparada do dólar a partir de agora poderia trazer dentro de um par de anos novo alento exportador ao agronegócio, que voltaria a puxar o crescimento do setor. No mercado interno, essa disparada frustraria as expectativas de queda dos juros, que vem sendo ensaiada pelo banco central. A esta altura está evidente que a baixa inflação é resultado da âncora cambial, a qual, se perdida, ensejará novo repique dos juros e conseqüente perda do embalo no crescimento econômico. O mercado externo retomaria seu papel de motor da expansão da agricultura.