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Álcool

Perdas nas usinas

<p>Prejuízos com derivativos atingem até R$ 4 bi. Resultado foi registrado no auge da crise financeira.</p>

As usinas de açúcar e álcool perderam cerca de R$ 4 bilhões em operações com derivativos de câmbio durante a safra 2008/09, segundo estimativas de empresas, bancos e consultorias financeiras que atuam neste setor ouvidas pelo Valor. Em situação financeira delicada, agravada a partir da safra 2007/08, quando as cotações da commodity estavam em baixa, essas perdas enfraqueceram ainda mais boa parte das companhias que tinha grande endividamento em dólar e alavancagem em relação à geração de caixa operacional por conta da construção de novas usinas, os projetos “greenfield”.

Os resultados negativos de boa parte dessas empresas têm contribuído para aprofundar o processo de consolidação no setor sucroalcooleiro, já em curso nos últimos anos. Grandes grupos considerados consolidadores, como Santelisa Vale e Moema, foram colocados à venda. Dezenas de projetos de expansão de novas unidades também foram interrompidos.

Os maiores bancos do País, que tiveram um papel importante no financiamento de projetos de expansão do setor, tornaram-se os maiores credores das usinas, entre eles os Bradesco, Itaú/Unibanco, Santander e Votorantim, além do BNDES, que se tornou sócio de alguns grupos no País.

O Valor apurou que muitas das perdas das usinas foram contábeis, mas causaram impacto no caixa, pois a piora nos índices de endividamento levou as companhias a quebrar cláusulas financeiras restritivas (“covenants”) nos contratos de empréstimos com os credores, que puderam assim pedir resgate antecipado da dívida ou conseguiram negociar condições mais favoráveis de pagamento.

A quebra de “covenants” – que limitam o endividamento da empresa com relação a uma série de indicadores e protegem os credores – é considerada semelhante à inadimplência e as empresas têm de negociar um perdão (“waiver”) se não tiverem como pagar toda a dívida à vista. Esse foi o caso da Nova América, dona da marca União, que foi incorporada este ano pela Cosan. Em agosto de 2008, os credores do grupo pediram o pagamento antecipado de uma dívida de US$ 300 milhões, relativa à emissão de debêntures, com pagamento previsto para 2013.

A “boa notícia” em meio ao cenário nebuloso no setor é que as perdas contábeis do fim do ano passado foram revertidas ao menos parcialmente no início deste ano com a queda no dólar, que voltou para níveis em torno de R$ 1,80 a R$ 1,85 na comparação com os mais de R$ 2,50 que chegou a atingir. No bolo de R$ 4 bilhões estão incluídos os desembolsos de caixa extra que as empresas tiveram de fazer com derivativos que venceram e depósitos de margem. Foram considerados não apenas as transações alavancadas, mas também as posições vendidas casadas com exportação, o chamado “hedge”, além dos empréstimos com duplo indexador, que embutiam derivativos.

Com cerca de 400 usinas em todo País, o setor sucroalcooleiro faturou aproximadamente R$ 40 bilhões na safra 2008/09, dos quais cerca de US$ 7,5 bilhões são provenientes das exportações de açúcar e álcool, segundo a Unica (Unica da Indústria da Cana-de-açúcar).

Os derivativos tornaram-se um tabu para muitas empresas, que viram seu patrimônio ruir durante a crise. No setor sucroalcooleiro, o caso mais emblemático foi da Santelisa Vale, que teve perdas de quase R$ 380 milhões com empréstimo com duplo indexador, no qual a empresa pagava juros em reais ou a variação do câmbio, o que fosse maior. As empresas tomaram esses empréstimos quando o dólar não parava de cair, em 2007 e no início de 2008, pois conseguiam com eles pagar juros abaixo do mercado em reais. Mas estavam assumindo o risco cambial com derivativos. À época, a companhia negou este tipo de operação, mas fontes da empresa ouvidas pelo Valor afirmam que esse tipo de operação agravou ainda mais a situação financeira da companhia. Procurada, a empresa não comentou o assunto.

Resultado da união entre a Santa Elisa, de Sertãozinho (SP), e Vale do Rosário, de Morro Agudo (SP), e outras cinco usinas, o grupo contraiu dívidas de R$ 1,2 bilhão durante o processo de fusão. Metade dessa dívida foi liquidada e a outra parte, R$ 600 milhões, tinha duplo indexador. Por causa do empréstimo, a empresa estava com posições vendidas em reais quando o dólar explodiu, passando de R$ 1,559 em 1º de agosto de 2008 para R$ 2,536 no dia 4 de dezembro, aumento de 63%. Atualmente, a Santelisa, o segundo maior grupo do País e dívidas de quase R$ 3 bilhões, está em processo de incorporação pela francesa Louis Dreyfus.

Apesar de registrarem prejuízos menores, mas nem por isso desprezível, outras companhias também tiveram perdas com este tipo de operação. Bancos ouvidos pelo Valor afirmaram que os grupos Cerradinho, Copersucar, Moema, Itamarati e Nova América também foram afetados.

No balanço da Copersucar, finalizado em 31 de março de 2009, aparecem perdas totais de R$ 29,752 milhões com contratos de dólar a termo sem entrega física, o chamado “non deliverable forward”. A empresa diz que esses contratos serviam como “hedge” e nega qualquer alavancagem. “A contratação de um derivativo deve ter como contraparte um ativo ou um passivo exposto, reconhecido ou não, e que pode afetar as sobras e perdas da cooperativa.. (…)”, informa a Copersucar em seu balanço. Ainda segundo o relatório, a empresa não tinha posições em “derivativos exóticos”. A companhia alega que as suas perdas com os derivativos foram compensadas com ganhos na outra ponta. A Copersucar teve perdas de US$ 1,7 bilhão com empréstimos e financiamentos no mesmo período, de acordo com seu balanço.

No caso da Açúcar Guarani, controlada pelo grupo Tereos, os prejuízos com contratos a termo e swaps chegaram a R$ 52,265 milhões em 31 de dezembro no balanço do ano passado. A empresa tinha também empréstimo com duplo indexador de US$ 222,538 milhões em 30 de setembro do ano passado, quando a crise estourou, segundo seu balanço. Eram Notas de Crédito à Exportação (NCE) e Resolução 2770, modalidade de empréstimo indexado à variação cambial com recursos captados no exterior. Procurada, a empresa reconhece as perdas, mas informou que não gera efeito caixa.

O grupo paulista São Martinho, que exporta cerca de US$ 200 milhões por ano, confirma que teve perdas de R$ 16 milhões com contratos a termo de moeda no fim do ano passado, que eram, segundo a empresa, usados como proteção para exportações, na comparação com ganhos de R$ 9,5 milhões com opções de preço do açúcar. As perdas, segundo o grupo, foram compensadas com ganhos nas importações.

Procurada, a Cerradinho confirmou que teve perdas com derivativos, mas a maior parte contábil, e informou que o impacto no caixa foi pequeno, sem revelar números. A Moema também não apresentou números, mas informou que suas perdas com derivativos foram “irrisórias”. Também procurada, a usina Itamarati não se pronunciou. A Nova América informou que não registrou perdas com derivativos.