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Portas fechadas para carnes brasileiras

Apesar dos esforços para ampliar a participação brasileira no comércio de commodities agrícolas, os últimos anos serão lembrados por fechamentos de mercados relevantes às carnes.

Portas fechadas para carnes brasileiras

Em clima de despedida do governo Temer e cada vez mais distante da política partidária, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, encerrará sua gestão à frente da Pasta com um gosto amargo na boca, ao menos no campo internacional. Apesar dos esforços para ampliar a participação brasileira no comércio de commodities agrícolas, os últimos anos serão lembrados por fechamentos de mercados relevantes às carnes.

Com o cenário global conturbado pela guerra comercial entre EUA e China, o Ministério da Agricultura viu sua credibilidade golpeada pela sequência de investigações da Operação Carne Fraca, que despertou a atenção do mundo para as fragilidades sanitárias brasileiras.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e estimativas de entidades que representam frigoríficos mostram que, desde março de 2017 — quando a Carne Fraca foi deflagrada –, os exportadores brasileiros de carne perderam o acesso a mercados que tinham o potencial para agregar mais de US$ 1,8 bilhão anuais. Ano passado, as vendas externas de carnes renderam US$ 15 bilhões.

Além da própria perda de mercado, há também a frustração de expectativas. Diversas previsões e promessas feitas por Blairo Maggi sobre a reabertura de mercados relevantes, como o de carne bovina in natura dos Estados Unidos e o das carnes bovina e suína da Rússia, não se confirmaram. Nem mesmo o apelo feito pelo presidente Michel Temer ao presidente russo, Vladimir Putin, funcionou. Parceiro tradicional do Brasil no comércio agrícola, a China também não dá sinal de que retirará o antidumping à carne de frango.

O veto da União Europeia a 20 frigoríficos, imposto após a Operação Trapaça (terceira fase da Carne Fraca), também está longe de um desfecho positivo. Para uma fonte graduada do Ministério da Agricultura, a expectativa de que os europeus começariam a liberar plantas bloqueadas ainda neste ano já se esvaiu.

Além disso, uma fonte da Comissão Europeia ouvida pela reportagem enxerga falta de proatividade do governo brasileiro: até hoje não há sequer um plano de ação montado pelo ministério para dar início à reabertura e, como consequência, muito menos existe qualquer previsão para a vinda de auditores europeus ao Brasil, necessária para a reabertura.

Na BRF, companhia mais afetada pela decisão dos europeus (12 plantas da dona das marcas Sadia e Perdigão foram desabilitadas), a decisão europeia é tratada como algo permanente, o que motivou a estratégia do CEO Pedro Parente de vender os ativos da empresa na Europa. Uma reversão do bloqueio europeu levaria, no mínimo, dois anos. Esse é o prazo para um frigorífico obter, do zero, autorização para vender à UE.

Ao Valor, representantes de exportadores elogiaram a postura de Blairo à frente do ministério. A avaliação é que o ministro não se apequenou diante das pressões protecionistas de gigantes como China, Rússia e União Europeia. No entanto, admitem, a conjuntura internacional é delicada e dificulta a reabertura de mercados para o Brasil.

“O mercado internacional é extremamente complexo, principalmente China e Rússia. Não sabemos exatamente o que pensam. A única regra certa em relação à Rússia e à China é que não há regra. Isso vai de acordo com conveniências políticas e econômicas”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar.

O dirigente, que representa pequenos e médios frigoríficos, também destacou a ofensiva internacional feita por Blairo Maggi logo após a Carne Fraca, quando dezenas de importadores haviam se fechado. Em menos de um mês, lembrou Salazar, grande parte desses países reviu o embargo temporário. A avaliação é compartilhada pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli. “A atuação do Blairo foi extremamente diferente e eficiente”, afirmou ele.

Em favor do ministro, fontes do setor privado também argumentam que parte dos esforços de Blairo vão começar a aparecer em 2019 — não só com reaberturas, mas também com a abertura de novos mercados, como a Turquia. Outra possibilidade é que a China autorize mais frigorífico de carne bovina do Brasil a exportarem. Uma missão chinesa virá ao país em novembro com esse intuito.

No caso dos EUA, que bloquearam a carne bovina in natura do Brasil no ano passado devido à detecção de abscesso (acúmulo de pus) na carne, a avaliação é que as discussões técnicas estão avançando. “Não podemos culpar o Blairo por um problema na aplicação de vacinas contra aftosa”, ponderou uma fonte, citando o motivo do embargo. De toda maneira, o cronograma previsto pelo ministro foi frustrado. Em meados de maio, Blairo afirmou que o mercado americano seria reaberto ainda no primeiro semestre.

Ao Valor, o ministro afirmou que a corrida por abertura e consolidação de mercados pelo mundo é um processo permanente. Por outro lado, não poupou os exportadores e responsabilizou empresas por “relaxamentos”. Segundo ele, a perda do mercado dos EUA para a carne bovina in natura aconteceu porque “os frigoríficos não fizeram exatamente aquilo que ficou combinado”.

“Às vezes o brasileiro pensa que só nós conseguimos produzir, mas todo mundo faz e espera um vacilo seu para poder entrar”, disse Blairo. O ministro ainda minimizou os fechamentos, dizendo que a qualquer momento os mercados russo e americano poderão se reabrir, e que em breve a Indonésia e o México poderão comprar carnes bovina e suína do Brasil, respectivamente.

Apesar do discurso de que está de partida, há quem diga que Blairo, que já declarou o voto em Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições de domingo, tem disposição para continuar à frente do ministério. “Depende de um convite”, afirmou o ministro a um interlocutor consultado pelo Valor. Perguntado pela reportagem, Blairo desconversou.