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Uma visão sobre o uso de antibióticos na produção animal

Por Alexandre Barbosa de Brito, Médico Veterinário, PhD em Nutrição Animal

Uma visão sobre o uso de antibióticos na produção animal

A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) é uma entidade global com sede em Paris, estabelecida em 25 de janeiro de 1924, com o objetivo de combater doenças animais a nível global. A comitiva da OIE implementa e coordena atividades como informações sobre doenças, cooperação técnica e atividades científicas, além prestar assistência a diversas entidades do mundo quanto ao tema de uso de medicamentos e saúde dos animais de produção, companhia e selvagens. A OIE é reconhecida como organização de referência pela Organização Mundial do Comércio para o tema de saúde animal e, em 2018, possuía um total de 182 países membros. A OIE mantém relações permanentes com quase 75 outras organizações internacionais e possui escritórios regionais em todos os continentes.

O objetivo desta longa introdução da OIE se fundamenta no fato de apresentar esta entidade aos leitores desta coluna, além de trazer para a discussão algumas de suas publicações que são relevantes no atual momento em que vimemos na produção de aves e suínos no continente americano.

Uma destas publicações refere-se ao Relatório Anual de 2020 da OIE Sobre o Uso de Agentes Antimicrobianos Destinados aos Animais, ou somente RA 2020 OIE. Este quarto relatório descreve de forma resumida o volume (relacionado a biomassa animal) e o destino (promotor e/ou terapêutico) de uso de antimicrobianos no mundo. Os dados publicados este ano, estão ajustados para a biomassa animal de 2016 e interpreta o resultado da quarta coleta anual de dados mundiais, fornecendo uma análise global e regional sobre este tema.

O modelo da OIE usado para coletar dados foi desenvolvido para permitir a participação de todos os países, independente do fato de que exista um sistema plural de coleta de dados em um país específico. Esta quarta rodada contém dados de 153 países membros (84% do volume total) dos países associados; porém a análise dos agentes antimicrobianos ajustados pela biomassa animal foi realizado apenas em 92 países.

Os cálculos da biomassa animal permitiram uma análise de quantificação dos fatores antimicrobianos ajustados por um denominador. A biomassa animal é calculada como o peso total dos animais vivos (de companhia e de produção), usando uma aproximação daqueles que provavelmente estão expostos a agentes antimicrobianos. Estes dados foram relacionados com o consumo total de alimentos destes animais, usando principalmente dados do Sistema Mundial de Informação sobre Saúde Animal (WAHIS) e Estatísticas da Organização para Alimentação e Agricultura da FAO (FAOSTAT).

Os dados compartilhados neste artigo, refere-se apenas aos valores relacionados com os animais de produção. Porém os dados referentes aos animais de companhia também pode ser acessados no RA 2020 OIE.

Os autores do relatório chamam a atenção para ter cautela na interpretação destes resultados, pois as porcentagens da Biomassa podem subestimar a importância de espécies que são frequentemente abatidas fora do sistema de inspeção oficial de cada governo. A quantidade de abate realizada fora deste sistema varia significativamente entre países e regiões.

Na Tabela 01, encontra-se apresentado o volume de países participantes do RA 2020 OIE, sendo que o continente americano foi a região de maior índice de retorno de informações solicitadas pela OIE no desenvolvimento deste relatório, com 94% de positividade de preenchimento. Apenas a Venezuela não participou deste levantamento de dados.

Alexandre Brito

O reporte da OIE, inicia a apresentação de dados se dedicando ao uso de antibióticos como promotores de crescimento no mundo. O volume de países que se declaram livres de promotores de crescimento foi superior no relatório realizado no ano de 2020, representando 23% do total de países avaliados (Gráfico 01A).

Outro ponto importante foi que em um intervalo de dois anos (entre o RA 2018 OIE versus RA 2020 OIE), outros cinco países se declaram livres do uso de promotores de crescimento em dietas de animais de produção (Gráfico 01B).

Alexandre Brito

Gráfico 01.
Uso de antibióticos promotores de crescimento na alimentação animal. No universo dos 153 países que participaram do RA 2020 OIE(A). Comparação dos países que participaram da pesquisa em 2018 (RA 2018 OIE) versus a pesquisa atual RA 2020 OIE(B).
Fonte: Adaptado do RA 2028 OIE e RA 2020 OIE

 

No Gráfico 02, encontra-se apresentados os principais medicamentos utilizados como promotores de crescimento na alimentação de animais de produção. Este ranking foi elaborado levando-se em consideração o número de vezes que cada antibiótico foi citado na pesquisa realizada pela OIE em 2020; ou seja, quanto maior o número de citações, maior a relevância desta molécula a nível mundial para o uso promotor.

O agente antimicrobiano utilizado como promotor de crescimento mais frequentemente listado foi a Flavomicina, seguido pela Bacitracina, Tilosina, Avilamicina e Enramicina, com registro ativo como promotores de crescimento em 17, 16, 13, 12, 10 países, respectivamente.

Realizando um paralelo entre o RA 2018 OIE versus a pesquisa atual (RA 2020 OIE) fica claro a evolução na restrição ao uso destas moléculas. No relatório de 2018, as Bacitracinas figuravam como as que continham maiores citações (18 citações no total), além da Tilosina que possuía a segunda colocação (17 citações no total). Ambas foram ultrapassadas pela Flavomicina, que manteve um número estável de citações.

Alexandre BritoGráfico 02.
Lista dos antibióticos promotores de crescimento adicionados na alimentação de animais de produção que foram mencionados nos países que declararam o uso no RA 2020 OIE.
Fonte: Adaptado do RA 2020 OIE

 

Na Tabela 02 pode ser observado a comparação de redução de uso entre estes dois reportes (RA 2018 OIE versus RA 2020 OIE) das dez principais moléculas antibióticas utilizadas como promotores de crescimento.

Alexandre Brito

O Relatório da OIE igualmente tratou do volume de antibióticos terapêuticos utilizados nos animais de produção, sendo o compilado destes dados apresentados no Gráfico 03.

Estes dados foram expressos em porcentagem de volume de uso de diversos princípios ativos, sendo que o completo Tetracilcinas + Penicilinas + Macrolídeos + Polipeptídicos (como Bacitracina, Colisitina e Polimixinas B) representaram mais de 73% do uso total de antibióticos para estes fins.

Alexandre Brito

Gráfico 03.
Quantidades (em porcentagem) de agentes antimicrobianos terapêuticos destinados a animais de produção nos países que declararam o uso no RA 2020 OIE.
Fonte: Adaptado do RA 2020 OIE

 

Estes dois dados descritos nos Gráficos 02 e 03 foram compilados em um universo relacionando-se ao número de animais abatidos. Este compilado gerou o volume de utilização de princípios ativos (sejam promotores de crescimento, terapêuticos, ou mesmo agentes anti-coccidianos) na alimentação animal por espécie. Estas relações encontram-se descritas no Gráfico 04.

Devido ao uso regular de agentes anti-coccidianos na alimentação de aves, é compreensível que quase a totalidade da produção atual encontram-se positiva para o uso de algum princípio ativo antibiótico em algum momento do ciclo de vida destes animais, seja qual for a parte do mundo analisado. Este dado é seguido pelos bovinos (com 89% de positividade para uso de antibióticos em algum momento da vida) e ovinos/caprinos com 86%.

Ressalta-se que este dado não se relaciona com a avaliação pós-abate dos animais. Refere-se apenas ao uso em algum momento da vida destes, à moléculas antibióticas seja promotora de crescimento/terapêutica/anti-coccidiano. O relatório não aborda possíveis presenças destes nos tecidos dos animais. Reitero que o uso de antibióticos é uma prática perfeitamente segura, desde que se respeite a indicação veterinária para o uso, além do período de carência pré-abate.

Alexandre Brito

Gráfico 04.
Nível (em porcentagem) de uso de princípios ativos/espécie (antibióticos promotores, terapêuticos e agentes anti-coccidianos) destinados ao uso nos animais de produção no RA 2020 OIE.
Fonte: Adaptado do RA 2020 OIE

 

Por fim, nos Gráficos 05 e 06 encontram-se apresentados a participação da biomassa animal atribuída ao volume de animais abatidos versus o seu peso, além de uma correlação direta com o volume de antibióticos utilizados em cada uma das regiões do mundo.

Alexandre Brito

Gráfico 05.
Composição (em porcentagem) de espécies da biomassa de animais de produção nos países que participaram do RA 2020 OIE. Estes resultados devem ser interpretados com cautela. Estas porcentagens podem subestimar a importância de espécies que são frequentemente abatidas fora do sistema de inspeção governamental, visando o consumo pessoal. A quantidade de abate realizada fora deste sistema, varia significativamente entre países e regiões.
Fonte: Adaptado do RA 2020 OIE

Quanto ao uso de antibióticos (em mg/kg de biomassa), os dados obtidos na Ásia/Oceania/Oriente Médio são 106% vezes superiores ao volume utilizado nas Américas, sendo este último 70% vezes superior aos dados Europeus. A África representa o menor volume de uso de antibióticos, com 39,71 mg de princípio ativo/kg de biomassa.

Alexandre Brito

Gráfico 06.
Quantidades de agentes antimicrobianos destinados a animais, de produção ajustado pela biomassa animal, nos países que declararam o uso no RA 2020 OIE, valores em (mg/kg de biomassa).
Fonte: Adaptado do RA 2020 OIE

 

O objetivo desta coluna foi trazer alguns dados estatísticos e divulgar o monitoramento do uso de antibióticos que é realizado por uma das maiores entidades globais sobre o tema de saúde animal (OIE). Repito que estes dados não se relacionam com contaminações de tecidos animais. É uma fonte de consulta estatística do volume de moléculas utilizadas reportadas pelos países participantes da pesquisa. Reitero novamente que o uso de antibióticos é uma prática perfeitamente segura, desde que se respeite a indicação veterinária para o uso, além do período de carência pré-abate.